Após o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir contrariamente à tese do marco temporal da demarcação das terras indígenas, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou entendimento divergente ao da Corte.
A comissão aprovou por 16 votos contra 10 o relatório do senador Marcos Rogério (PL-RO) favorável à definição do ano de 1988, quando a Constituição foi promulgada, como marco para demarcação de terras indígenas. O colegiado aprovou também um pedido de urgência para o projeto ser votado pelo plenário do Senado. A bancada ruralista tenta acordo para que isso aconteça ainda hoje.
O projeto diz que são consideradas terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas aquelas que em 5 de outubro de 1988, eram:
Habitadas por indígenas habitadas em caráter permanente;
utilizadas para suas atividades produtivas;
imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar;
necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
Rogério rejeitou todas as emendas apresentadas ao texto, principalmente, para possibilitar a rápida aprovação do projeto, sem a necessidade do seu retorno à Câmara.
—Se nós fizermos qualquer modificação substancial aqui que vá além daquelas emendas de redação, essa matéria volta à Câmara dos Deputados, e aí é uma escolha política - aí é uma escolha política. E nós estamos diante de um ambiente de insegurança, de inquietação, de intranquilidade no Brasil inteiro—disse Rogério.
O governo orientou contra a votação do projeto.
—Nós não estamos resolvendo o problema— afirmou o senador Jaques Wagner (PT-BA).
—Este projeto que trata do marco temporal trata e assegura um problema muito sério, e para mim, na verdade, é um projeto que acaba sendo feito para aqueles que estão em situação de invasão hoje no Brasil, que são os posseiros— afirmou a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), contrária ao projeto.
Além de definir o marco, o relatório de Rogério também permite a instalação de bases, unidades e postos militares nos territórios independentemente de consulta às comunidades.
Os senadores Alessandro Vieira (MDB-SE) e Fabiano Contarato (PT-ES) apresentaram voto em separado.
O projeto opõe ambientalistas e ruralistas, que tem forte aderência nos partidos do Centrão. Opositores do projeto avaliam que usar o ano como marco seria retroceder em relação às terras conquistadas. Defensores do projeto, por sua vez, dizem que o texto dá "segurança jurídica".
O deputado Pedro Lupion (PP-PR), coordenador da bancada ruralista do Congresso, anunciou na semana passada que o grupo iria agir para obstruir todas as votações da Câmara e do Senado enquanto o marco temporal não for aprovado.
Lupion disse que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), "tem cumprido o compromisso" com a bancada ruralista e deixado o texto tramitar nas comissões, mas fez uma ressalva de que não sabia como o Senado irá se comportar em relação ao tema a partir da próxima semana.
Além do projeto de lei sobre o marco temporal, a bancada ruralista tenta ainda avançar com uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) e com um outro projeto com a previsão de indenização aos proprietários de terras demarcadas.
No STF
Após onze sessões de julgamento, o STF derrubou, por nove votos a dois, a validade do marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Com o voto final da presidente da Corte, ministra Rosa Weber, nove ministros se manifestaram contra a tese — Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes.
Do outro lado, foram favoráveis ao marco temporal os ministros Nunes Marques e André Mendonça. A proclamação do resultado causou grande comemoração do lado de fora do Supremo, onde indígenas de diferentes etnias acompanharam o julgamento.
Há divergências quanto às reparações e indenizações devidas a quem ocupa terras consideradas indígenas, questão que ainda será definida com a fixação de uma tese nessa quarta-feira, dia da última sessão presidida por Rosa Weber.
Tramitação no Congresso
Em junho, a Câmara dos Deputados aprovou a urgência do projeto de lei que estabelece o marco temporal para demarcação de terras indígenas. O assunto voltou a ser debatido a partir de requerimentos apresentados por partidos da oposição e o resultado da votação foi comemorado pela bancada ruralista. A deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG) foi ao microfone e chamou os parlamentares da bancada ruralistas de "assassinos do povo indígena". Em resposta, foi chamada de "imbecil" por vários membros da bancada do agro. Na sequência, parlamentares aprovaram o projeto em plenário.
A votação da urgência para o marco temporal gerou uma crise entre integrantes da esquerda, já que o governo liberou a sua bancada para votar como quisesse. Partidos de centro, que possuem cargos no primeiro escalão, foram favoráveis ao marco temporal. A justificativa oficial dos governistas foi de que a liberação ocorreu porque as legendas de centro já seriam favoráveis ao marco temporal, de qualquer maneira.
Nos bastidores, políticos do PSOL diziam que a liberação ocorreu por um acordo firmado no alinhamento de forças pelo Arcabouço Fiscal, aprovado na véspera: o governo conseguiu os apoios necessários no que dizia respeito ao Arcabouço e deixou, como moeda de troca, que os demais partidos votassem como quisessem na questão que envolve a demarcação de terras.